sexta-feira, 17 de junho de 2016

Crítica de O Maior Amor do Mundo

Ser mãe é o de menos.
Garry Marshall, o diretor que hoje só é lembrado pelos sucessos Uma Linda Mulher (Pretty Woman, 1990) e O Diário da Princesa (The Princess Diaries, 2001), ficou um bom tempo meio que jogado de canto com comédias inexpressivas até encontrar um filão que vem explorando desde Idas e Vindas do Amor(Valentine’s Day, 2010), que consiste na fórmula de múltiplas historietas bobinhas formando um mosaico romântico passado em alguma data comemorativa. Depois do Dia dos Namorados e do Ano Novo, chegou a vez de explorar a ideia com o Dia das Mães como pano de fundo em O Maior Amor do Mundo (Mother’s Day, 2016), uma tentativa mambembe de comédia dramática para fechar essa espécie de trilogia desastrosa.   

O truque pra driblar tamanha falta de imaginação é brindar o filme com um elenco de figurões. Aqui no caso, em especial, temos a união de duas das maiores queridinhas da América, Julia Roberts e Jennifer ‘Rachel Green’ Aniston, musas das comédias românticas, que contracenam juntas pela primeira vez e já garantem o retorno em bilheteria esperado. Enquanto Roberts se revela uma presença de luxo (certamente pagando sua eterna dívida de gratidão a Marshall por tê-la colocado no mapa), Aniston comanda o filme na pele de Sandy, uma mãe divorciada, ainda apaixonada pelo ex, que luta para criar seus dois filhos, e que acaba se interessando por Bradley (Jason Sudeikis), um viúvo e pai de duas adolescentes. Na outra ponta temos Jesse (Kate Hudson), uma mulher que esconde da mãe e do pai racistas que é casada e tem um filho com um indiano. Sua irmã, Gabi (Sarah Chalke), é lésbica, vive com uma mulher, e também não tem coragem de contar a verdade aos pais. Kristin (Britt Robertson), por outro lado, é uma jovem mãe que mora com o namorado, mas não consegue tomar a decisão de se casar porque precisa antes de tudo descobrir a identidade de sua mãe biológica. Onipresente no filme através de suas aparições nas televisões sempre ligadas nas casas dos personagens, Miranda Collins (Roberts) é um tipo de Oprah Winfrey de peruca ruiva e garota propaganda de bijuterias, que parece esconder um segredo sobre seu passado. 

As tramas são todas água com açúcar e, por incrível que pareça, exploram esse tema de dias das mães da forma mais superficial possível, de modo que do meio para o fim nem lembramos que, na teoria, se trata de um filme sobre a data. Tudo isso porque Marshall lida com a figura feminina de forma estereotipada, tratando as personagens como mulheres emocionalmente desequilibradas, carentes, dependentes, e incapazes de lidar com qualquer problema que possa surgir. A maternidade soa como um papel acidental no qual nenhuma delas se encaixa e a ligação com os filhos é sempre banal ou óbvia demais. A única trama pé no chão é a de Sandy, que sente sua relação com os filhos abalada com a chegada de uma madrasta bem mais jovem e divertida. A relação dela com Bradley também é tecida de forma sutil e secundária, valorizando seu lado mãe e não seu lado “solteira à procura”. Preenchendo as lacunas há o eterno time de amigos coadjuvantes engraçadinhos e irrelevantes. 

Sem senso de ritmo e de lógica, Marshall não consegue criar nenhuma situação genuinamente engraçada e não arranca sequer um meio sorriso da platéia, restando apenas apelar o máximo que pode nas passagens dramáticas para provocar pelo menos alguma emoção no espectador. Cabe então ao time de atrizes abusar do próprio carisma para defender suas personagens, o que Roberts e Aniston fazem muito bem, enquanto Hudson acaba sobrando, visto que seu núcleo é o mais complicado, mas também o mais esquecido pelo roteiro. Como todo filme do tipo, os conflitos se resolvem magicamente em apenas alguns minutos e tudo se encerra num final feliz chocho e inverossímil. Não há muito que se fazer diante disso, mas as mamães mereciam uma lembrança bem melhor.


Critica postada por Heitor Romero em Cineplayers, em 17/05/2016

Critica de The Lobster

O bizarro em Lanthimos: Um olhar particular sobre relacionamentos.
Quando comentei Alpes (Alpeis, 2011), exprimi a bizarrice do cinema do grego Giorgos Lanthimos. Naquela ocasião, trouxe algumas considerações acerca de seu filme de relativo sucesso, Dente Canino(Kynodontas, 2009), e das características que eram similares a Alpes, referente às construções individuais de seus incomuns personagens. Sua filmografia é assinalada com filmes de estranhezas, tal como esse seu atual The Lobster. Aqui, ele incursiona em terras americanas. The Lobster é igualmente estranho e bizarro tal como seus anteriores, num misto de surrealismo amórfico e excentricidade que contagia. É cômico, além do mais. Lanthimos tem características notáveis e consegue emprega-las independentemente de onde filma. Para ele, as pessoas são estranhas. Em qualquer lugar.

A história apresenta um futuro distópico onde solteiros são enclausurados num local a fim de encontrarem um parceiro dentro de um determinado prazo. Se fracassarem, serão transformados em um animal previamente escolhido pelos mesmos. Qual o sentido disso tudo? A tradução do título da obra escancara uma decisão bem explicada em certo instante, durante uma entrevista. Tudo é metáfora. As relações humanas e os acordos que lhe regem são metaforizados em uma comunidade ordenada por regras estabelecidas, levadas ao espectador de forma confusa, desvelada em suas minúcias, em suas reminiscências que nunca são suficientemente claras, mas elucidadas em lapsos de loucura. Para o diretor, o mundo é um hospício. E nesse hospício, as representações são jocosas. 

Em facetas psicológicas, interesse óbvio da trama, temos um estudo do comportamento humano quando este se situa em diferentes ambientes. Não à toa, ambientes distintos são elaborados, cortados por uma narração em off que tem muito mais função do que simplesmente narrar os fatos que assistimos. Eles são analisados numa tentativa de enquadramento. 

Como o homem vive em diferentes meios? Seguimos David (interpretado por um burlesco Colin Farrell) sendo asilado nesse espaço juntamente a outras figuras bem, digamos, particulares. Chamo de particulares frente ao comportamento socialmente considerado normal que reconhecemos. Eu poderia emendar aqui e questionar: e o que é normal? E você leitor encerraria sua leitura me considerando aborrecido e pós-moderno. Então nessa visão (a)normal, o que importa para o filme é a quebra do modelo de naturalidade, dando espaço ao artificialismo das relações e das pessoas, quando estas estão sob controle de algo ou alguém.  

Somos seduzidos por toda a estranheza da trama. No decurso narrativo, é justamente ela que dá conta de nos manter atentos do início ao fim, curiosos sobre o desfecho desse universo enlouquecido. É aí que entra a habilidade de seu realizador, na forma com a qual conduz seu filme, orientado pela bizarria que consagra seu cinema enquanto cinema de autor. Os personagens são bem construídos e os diálogos favorecem o estigma criado. O tempo corrente parece encontrar uma cronologia própria, de forma que o ritmo torna-se afetado, não sendo arrastado, mas inconstante e mutável. É por isso que a experiência em assistir qualquer filme dirigido pelo diretor é destoada, para o bem e também para o mal. 

Nessa linha progressiva de inconstâncias reside sua originalidade inventiva que problematiza as relações e estabelece o caos. O roteiro metafórico está sempre trazendo possibilidades de surpresa, pois há muito o que se esperar de um universo assim. O roteiro raramente entrega algo de novo, o que não significa que não articule bem suas singularidades. Os personagens são bons. Os atores melhores ainda, especialmente por estarem fora de seus confortos. John C. Reilly, por exemplo, engrandece com seu tom cômico. O humor é marcante e englobado nas ações de seus personagens. Colin Farrell se deleita!  Rachel Weisz e Léa Seydoux, primorosas, extravasam com personagens desconformes.   

The Lobster propõe um olhar diferenciado sobre relacionamentos. Ele trata das similaridades e completudes que um enxerga no outro, entendendo isso como justificativa para uma saudável relação amorosa. Destaco a mulher cujo nariz sangra encontrando um homem que tem um problema semelhante. Ou não tem? É uma obsessiva e neurótica busca pela ternura de um afeto ideal. Uma intensa caça! Ei, uma caça a animais está no filme como uma alegoria extra, uma metáfora condizente a demanda de seus caçadores. Tanta devoção a procura por alguém que possa lhe dar sentido existencial é uma ilusão predatória. E esta ilusão é compartilhada pelos personagens de Lanthimos, em seu hospício inventado. A lucidez é variável. 

Postado por Marcelo Leme no site Cineplayers, em 16/05/2016

Critica de Capitão América: Guerra Civil

Conflitos internos.
A imagem tradicional de herói alimentada pelo cinema nasce a partir da ideia de que existem lados. O bem e o mal, a despeito de tudo o que essa antítese carrega em si nas ficções, sempre projetaram-se em lados opostos, e nesse meio temos uma trama em que um tentará prevalecer sobre o outro, cada qual se valendo de suas próprias características e artimanhas – todas já bem conhecidas e assimiladas pelo público em geral. Ao tentar fugir um pouco desse padrão, os roteiristas investem cada vez mais em heróis errantes e inimigos carismáticos, procurando assim evitar cair na mesmice e valorizar as nuances que podem existir mesmo nos mais famigerados arquétipos contemporâneos, e assim maquiando de alguma maneira o velho e indefectível plot da batalha do bem contra o mal. 

As adaptações dos HQs da Marvel para o cinema trabalharam dois dos heróis mais famosos da cultura pop, O Homem de Ferro e o Capitão América, dentro de fórmulas diferentes. Enquanto Steve Rogers é o herói à moda antiga, íntegro, honesto, altruísta e de moral incorruptível, Tony Stark é justamente a desconstrução dessa imagem anacrônica dos heróis do passado, um milionário egocêntrico, sarcástico, mulherengo e inconsequente que nem sempre preza ou prioriza pela vida do próximo. O cruzamento das histórias dos dois em Os Vingadores (The Avengers, 2012) rendeu uma divertida interação baseada nessa total falta de sintonia entre eles, mas agora em Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016) a ideia é muito mais ambiciosa. 

O título já denuncia uma guerra não entre nações, mas sim interna, e o mesmo ocorre com os tais vingadores, que a partir de um impasse se dividirão em dois grupos, um liderado pelo Capitão América e outro pelo Homem de Ferro. Desta vez, não há o lado do bem e o lado do mal, e a falta desse conceito categórico é a brecha para que a Marvel finalmente consiga evoluir e sair do terreno já desgastado de seus filmes anteriores. Transitando num terreno de maior complexidade moral, por assim dizer, tudo se torna mais imprevisível, pois estamos lidando com dois lados que possuem, cada qual, sua parcela de culpa e razão, e onde os conceitos de ‘bom e mau’ se desmancham em um dilema ideológico, já que estamos diante do embate entre dois heróis. 

A questão que separa o time envolve um assunto bastante interessante, sobre a vida ceifada de pessoas inocentes durante uma ação heróica. Quando vemos um Hulk ou um Thor, por exemplo, destruindo prédios, carros, casas, ruas, e no fim sendo ovacionados e condecorados, talvez ninguém pare para pensar que muita gente morreu ali no meio dessas manifestações de poder, por mais que a intenção deles tenha sido, em suma, salvar o mundo. Numa era em que o cinema deixa um pouco de lado a licença poética dessas situações e se propõe a buscar o máximo de realismo possível, mesmo num contexto de super poderes e roupas de borracha coloridas coladas ao corpo, é até natural que essa questão seja levantada, e por isso temos um Tony Stark menos engraçadinho e mais afetado pelo sangue de inocentes que carrega nas costas. Essa culpa o leva a aceitar um tratado que limita a ação dos Vingadores mundo afora, enquanto o Capitão América defende a ideia de que tem a obrigação de agir para salvar vidas, não importa onde estejam e o que isso envolve. 

Sendo o Capitão América a representação magna do orgulho patriótico americano na cultura popular, logo surge um paralelo tímido dessa posição dele com o próprio governo americano e suas já costumeiras intromissões políticas e militares em assuntos mundo afora que muitas vezes nem lhe dizem respeito. No fim, o que conta mais, o suposto intento de fazer o bem ou os efeitos colaterais muitas vezes catastróficos que enchem o inferno de boas intenções? Sob essa perspectiva, Guerra Civil ganha um tamanho e proporção bastante admiráveis, por mais que muito disso fique apenas na vontade e não ganhe maior desenvolvimento. Por outro lado, propicia uma revigorante inversão de papéis, com Tony Stark se deixando guiar e apoiar por leis e burocracias, enquanto Steve Rogers segue com sua trupe por caminhos ilegais. Certos ou errados (ou como as campanhas de marketing disseminaram pela internet: “#capteam versus #ironmanteam”), os dois têm seus motivos, que se cruzam em algum ponto pela presença sempre misteriosa e intrigante do Soldado Invernal. 

Estão nesses conflitos internos as maiores boas ideias de Guerra Civil, corroboradas por algumas tomadas-chave, como o close-up no escudo do Capitão América caído no chão, com seu verniz corrompido pelas marcas das garras do Pantera Negra, indicando sua moral e certezas abaladas. Todos os heróis coadjuvantes voltam a aparecer, desta vez com a novidade do Homem-Aranha, novamente renascido, e mostrando que funciona melhor fora de seus filmes-solo. A vantagem nessa enxurrada de personagens está no bom aproveitamento de cada um, pela primeira vez sob a tutela de um roteiro que valoriza a ação coletiva e trabalha para uma dinâmica fluente, como nenhum Avengers conseguiu até hoje. Podaram bastante também a breguice das falas de efeito e piadas fora de hora, assim como a cafonice do combo ‘câmera lenta+trilha entorpecente’ na apresentação dos heróis.  A desvantagem de tudo se encontra no quê de Michael Bay que assombra algumas sequências de ação, com muita tremedeira, explosão e gritaria gratuita, sem o cuidado e melhor acabamento que um filme desse porte pode oferecer – há momentos em que tudo se transforma em borrões porcamente editados, em que mal conseguimos distinguir o que está acontecendo. 

Em um filme tão assumidamente comercial, é bom enxergar também essa preocupação com um roteiro que vá além do medíocre e tantas boas sacadas de fundo político e moral, que conferem peso aos personagens e à história. Claro que muito disso não passa de truque para puxar ganchos e mais ganchos para muitas continuações-solo dos Vingadores e assim manter firme a exploração massiva da nova mina de ouro que Hollywood achou nas adaptações de HQs, mas ainda assim sua proposta é válida. Em um mundo em que as noções de bem e mal se tornam cada vez mais subjetivas e tênues, é interessante incorporar e trabalhar não somente com os embates clássicos de vilões e mocinhos, mas também se preocupar em tratar daqueles conflitos que nascem a partir de lados que possuem em comum o mesmo interesse, porém não o mesmo método. 

Postado por Heitor Romero no site Cineplayers, em 01/05/2016

Crítica de Rua Cloverfield, 10

Entre a coragem e a picaretagem, enfim um filme com culhões em Hollywood.
ANÁLISE COM SPOILERS

Michelle acaba de terminar tudo com o namorado pelo telefone, recolhe suas coisas e parte em busca de uma vida nova. No meio do caminho sofre um acidente de carro, acorda horas depois e se descobre trancafiada em uma espécie de bunker, a muitos metros abaixo da superfície. Seu carcereiro (ou talvez raptor?) se identifica como Howard, e diz que a trouxe para lá numa tentativa de salvar sua vida, visto que do lado de fora o mundo inteiro jaz sob o efeito de um suposto ataque nuclear/químico/extraterrestre súbito, que dizimou a vida humana. A princípio crente de que está nas mãos de um lunático perturbado, tudo muda de tom quando surge na trama um terceiro personagem, Emmett, outro “prisioneiro” que garante que toda a história contada por Howard é verdadeira. 

Diante do impasse, Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane, 2016) se posiciona a frente de uma bifurcação: ou segue pelo caminho de um típico thriller de confinamento focado em acompanhar as tentativas de fuga de Michelle, ou abraça a hipótese paranormal latente e se revela como uma atípica ficção-científica travestida. Mas existe um terceiro fator de importância nessa equação: trata-se de uma continuação de Cloverfield - Monstro (Cloverfield, 2008), um filme independente de grande sucesso, filmado no estilo found footage, sobre a cidade de Nova York sendo invadida por um monstro de origem desconhecida. Ora, como essas duas histórias tão distantes podem se ligar? 

O que nem todos sabem é que, a princípio, Rua Cloverfield, 10 não foi concebido como uma continuação e sequer tinha alguma coisa a ver com o filme de 2008, tanto que não há nenhum ator, diretor, roteirista ou membro da equipe técnica em comum. Quem teve a ideia de unir o útil ao agradável foi J.J. Abrams, o produtor executivo e mente pensante que procurava um meio de tornar aquele roteiro absurdo em algo comercialmente viável. Para isso ele recorreu à uma picaretagem old school de Hollywood e pegou carona no sucesso que o nome do filme de 2008 tinha e deu um jeito de forçar uma conexão. A sacada foi tão boa que Cloverfield passou de pequeno clássico contemporâneo a uma espécie de possível franquia não bem desenhada ainda, mas que gira em torno de uma invasão à Terra, explorada a partir de diversas histórias paralelas que ocorrem simultaneamente em filmes diferentes, com alguns núcleos conversando vez ou outra de um filme para o outro,  como numa antologia sci-fi vintage, com o tempero de cinema escapista oitentista que somente J.J. Abrams consegue administrar atualmente. 

Mas a grande beleza de toda a ideia está na coragem que o trabalho assume quando diante das duas possibilidades citadas acima. Um suspense básico ou uma ficção-científica alucinada? Na dúvida, os roteiristas deixaram qualquer receio de lado e escolheram os dois caminhos, fazendo de Rua Cloverfield, 10 o milagre de dois filmes em um. Em proporções infinitamente reduzidas, podemos comparar essa ousadia ao que M. Night Shyamalan fez em A Vila (The Village, 2004). Na obra-prima do indiano, logo de cara lança-se a possibilidade da existência de um monstro vivendo na floresta que rodeia um vilarejo de poucos habitantes. Habilmente, o diretor ora confirma a suspeita, ora a desmente, ora a resgata, ora a refuta, num jogo de perspectivas sufocante que culmina numa ruptura narrativa corajosa e arriscada. Rua segue por um caminho parecido, ficando à mercê das pistas contraditórias deixadas pelo personagem de John Goodman, até chegar a um gran finale em que Michelle finalmente escapa do bunker, mas inevitavelmente ainda tem que enfrentar o segundo filme que nasce a partir daí, uma ficção-científica que enfim se confirma e vem com tudo para o arremate final, depois de quase uma hora e meia do mais tenso suspense de confinamento.  

Simples, eficiente, arriscada, a fórmula funciona graças a uma direção vigorosa e um entrosamento muito natural entre o trio principal. Rua Cloverfield,10, mesmo abusando da licença poética e metendo os pés pelas mãos vez ou outra, pelo menos peca pelo excesso, nunca pela falta, e dá a cara a tapa em meio a produções americanas cada vez mais acomodadas e acovardadas dentro de uma zona de conforto que enjoou faz anos. Se isso tudo serviu apenas de picaretagem para resgatar o filme de 2008 e transformá-lo numa franquia, como a cena final parece indicar, que venha então mais capítulos nessa história maluca que existe apenas porque o cinema comercial em sua melhor forma possibilita existir.  

Postado por Heitor Romero no site Cineplayers, em 11/05/2016

Critica de Jogo do Dinheiro

O monstro capital.
É mais um novo dia em Nova York e uma boa parte dos televisores está ligado no programa Money Monster, apresentado por Lee Gates (George Clooney), um tipo de guru financeiro que mantém os telespectadores por dentro das altas e baixas da bolsa de valores, sugerindo os melhores investimentos do dia através de muitas piadas, dancinhas ridículas, vinhetas barulhentas e insinuações vulgares. O programa é um sucesso, o público vibra com os números subindo e descendo, e quem comanda toda a dinâmica enlouquecedora por trás dos bastidores é a diretora Patty Fenn (Julia Roberts), que também atua como uma voz na consciência e breque na língua de Gates. O assunto do dia é o tombo de 800 milhões de dólares da empresa IBIS Clear Capital, uma das maiores apostas incentivadas por Lee nos meses anteriores, e o incalculável prejuízo aos acionistas derivado dessa queda abismal. A explicação do RH da corporação é um simples erro de algoritmo, mas para o pobre jovem Kyle Budwell, que investiu todo o dinheiro que lhe restava, esse tipo de satisfação não é o suficiente. Furioso, ele invade o programa ao vivo, faz Gates de refém com um colete de bombas e obriga Fenn a manter o circo todo no ar. 

A partir dessa situação-limite que Jodie Foster volta a investir na direção com Jogo do Dinheiro (Money Monster, 2016). Claramente uma análise da paranoia pós-crash da bolsa de valores de 2008 em Wall Street, além de retrato satírico dos bastidores do show business da televisão americana e os excessos do jornalismo marrom, esse trabalho tem como principal vantagem em relação a semelhantes como Grande Demais Para Quebrar (Too Big to Fail, 2011) ou A Grande Aposta (The Big Short, 2015) o fato de não se apropriar de uma linguagem muito matemática para situar o espectador. Pelo contrário, faz tudo de forma muito simples e resume bem a ópera: foi uma literal bagunça, ou bomba, e ninguém ali sabia o que estava acontecendo de fato diante de tanto histerismo e desespero coletivo. Mais do que isso, Foster coloca uma incômoda lente sobre a estrutura econômica americana que dita as regras do mundo todo e sobre os valores que se constroem a partir de uma base tão incerta e impessoal quanto o capital. Suicídios em massa, pessoas perdendo tudo da noite para o dia, tumultos, processos, gritos – basta o dinheiro faltar para o homem do mundo moderno literalmente surtar. Sob esse prisma, a diretora parte para um dilema moral e analisa uma crise de proporções universais que vai além da financeira. 

Cabem aqui comparações inevitáveis a clássicos como Rede de Intrigas (Network, 1976) e Um Dia de Cão(Dog Day Afternoon, 1975), ambos de Sidney Lumet, um cineasta que parece ser referência cativa de Foster nesse trabalho. Contudo, indo além do óbvio tom ácido de sátira e do ritmo frenético procurados pela diretora, o que Money Monster realmente mira é na impessoalidade do mundo de hoje, onde números valem mais do que pessoas e as relações se barram por meio de interfaces virtuais ou televisivas. Muito inteligente, ela filtra praticamente todas as principais sequências do filme através dessas interfaces, explorando um mosaico de telões, televisores, computadores, outdoors, plasma e câmeras de celular, empregando assim as máquinas e a tecnologia como uma espécie de câmera subjetiva que leva o espectador a enxergar o homem através da máquina, o que reforça um pouco da ideia que David Cronenberg apresentou há mais de trinta anos ao literalmente mergulhar seu personagem principal numa tela de TV em Videodrome - A Síndrome do Vídeo (Videodrome, 1983). Para Foster, o crash da bolsa de valores de 2008 em Wall Street foi muito além do reflexo de uma crise financeira de escala global, mas sim a ratificação do fato de que o mundo está mergulhado numa grande crise moral, cada vez mais mecanizado, eficiente, globalizado, porém formado por tipos solitários, gananciosos, egoístas, materialistas e indiferentes aos reais sofrimentos e injustiças que existem. George Clooney, canastrão, dançante, ostensivo, debochado e inconsequente reúne em si todo esse arsenal de ideias, principalmente a partir do ponto em que perde a pose diante da possibilidade de morrer, revelando a fragilidade e pequenez do poder do dinheiro quando comparado ao fator humano. 

Muito da força do filme está na habilidade de Foster em conseguir manter o pique mesmo com um plot de alcance limitado, desdobrando o fato inicial da invasão em um quebra-cabeça de personagens periféricos que aos poucos vai se encaixando e revelando um drama de proporções bem maiores, o que acaba por desvendar os vários lados de cada um, sem nomear mocinhos e vilões. Nesse meio, Julia Roberts faz milagres com sua personagem e se revela o eixo de sustentação de todo o roteiro, enquanto Jack O’Connell rouba a cena e defende com unhas e dentes as nuances de Kyle. Caitriona Balfe também consegue marcar presença mesmo com uma personagem menor, e Clooney revela seu lado mais ridículo e idiota, e quem diria que Foster conseguiria extrair isso dele mais do que os irmãos Coen já fizeram antes.  

O maior erro de Money Monster é a tentativa de manobrar o tom satírico da primeira metade para um caminho mais intimista na reta final, momento em que perde o equilíbrio e descamba para um sentimentalismo bobo e sem sentido, na busca de redenção para os personagens e soluções redondas demais para um assunto tão complicado. Talvez seja uma tentativa de conferir peso ao formato de típico thriller, quando na verdade seu maior acerto deveria vir da autoconsciência de ser um filme pequeno, simples, de gênero. A despeito dessa derrapada, se mostra o trabalho de direção mais autoral de Foster, que imprime aqui uma identidade e uma lógica técnica trabalhando a favor do roteiro, além do tema que melhor soube explorar. O capitalismo agressivo, selvagem, já denunciado no título original, é apenas o ponto de partida nesse belo quadro pintado por ela, pois o rosto desenhado em qualquer cédula de dólar é apenas mais uma prova de que o que vem antes do capital é feito de carne e osso.

Postado por Heitor Romero em Cineplayers, em 29/05/2016


Critica de Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos

Um filme para os fãs.
"Na Era do Caos, duas facções lutaram por dominação.

O Reino de Azeroth era próspero.
Os humanos que lá habitavam transformaram a terra em um paraíso.
Os Cavaleiros de Stormwind e Os Clérigos de Northshire Abbey percorriam por toda parte, servindo o povo com honra e justiça.
Exércitos bem treinados do Rei mantiveram a paz por muitas gerações.

Então, as hordas de Orcs chegaram.

Ninguém sabia de onde aquelas criaturas haviam vindo,
E ninguém estava preparado para o horror que eles causaram.
Seus guerreiros usavam machados e lanças com propriedade mortal,
Enquanto outros montavam lobos negros como uma noite escura sem lua.
Sua mágica tinha um poder destrutivo inimaginável, provindo do fogo do submundo.

Com um arsenal engenhoso e magias poderosas, essas duas forças colidiram em uma batalha de destreza, intelecto e força bruta.
Onde o vitorioso clama pela dominação de toda Azeroth.

Seja bem vindo ao Mundo de Warcraft."

Lançado em novembro de 94 para os computadores da época, Warcraft era um jogo que colocava frente a frente duas raças, os Humanos e os Orcs, lutando por um território chamado Azeroth. Esta simples premissa é o mote para o esperado filme que chegou aos cinemas essa semana pelo mundo, corajosamente partindo do princípio de uma história muito mais complexa do que essa.

Os vinte anos que separam o jogo original de Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos (Warcraft, 2016) serviram para expandir essa narrativa para algo muito mais profundo. Quem acompanhou o desenvolvimento do lore da série sabe que as coisas não são preto e branco assim; os Orcs, manipulados por Gul'dan, não querem apenas destruição, mas sim evitar a aniquilação de sua raça, enquanto os Humanos tentam, desesperadamente, proteger sua população. É uma guerra de duas visões, onde há heróis e vilões em ambos os lados, e o filme deixa isso bem claro ao apresentar Lothar, um dos cavaleiros reais, e Durotan, um dos Orcs que questionam tal matança, de maneira destacada.

Por ser fã confesso da franquia, é importante deixar claro uma coisa: assim como Final Fantasy VII: Advent Children (idem, 2007), Warcraft é um filme feito por um fã para os fãs, então o espectador comum não irá captar nem de perto todas as referências que estão em tela. Não que ele seja obrigado. Sempre defendo que um filme tem que conter tudo o que a pessoa que está assistindo irá precisar para sua compreensão, e nesse ponto Warcraft até que faz um bom trabalho, mesmo volta e meia soando meio apressado. Apesar de usar nomes e mais nomes, eles apenas aprofundam a história, pois sua compreensão é simples e clara - tudo foi simplificado para a iniciação da jornada nesse universo. 

Gul'dan e os Orcs deixam sua terra para Azeroth através de um portal, e os humanos lutam contra tal invasão. Ponto. A história é essa, bem simples, e a pessoa que gosta de fantasia e aventura estará bem servida. Não há uma variedade (ainda) tão grande quanto em O Senhor dos Anéis porque a Blizzard, corajosamente, resolveu contar a história da série do micro para o macro, desde o início do confronto, ao invés de começar por sua parte mais comercial, que talvez seja o embate entre Arthas e Illidan - algo que George Lucas fez lá nos anos 70 quando começou a franquia Star Wars pelo episódio 4 (não estou fazendo comparações direta entre os filmes). O tempo e a bilheteria irão dizer se foi uma decisão acertada.

Duncan Jones é fã confesso e o nome perfeito para conduzir Warcraft. Diretor de talento, emprestou o seu conhecimento e habilidade para construir o 'Eastern Kingdoms' (continente onde a história se passa) lotado de rimas visuais com os games; cenários serão facilmente identificados e até um Murloc, criatura mais querida da franquia, faz uma participação especial. Ao mesmo tempo, as inevitáveis adaptações feitas para a história se passar em outra mídia funcionam e respeitam os acontecimentos originais na medida do possível - Dalaran, por exemplo, já aparece voando para causar um impacto visual maior e o destino de Blackhand e Garona foram alterados do original para engrandecer atos.

Mas vamos falar de cinema? Narrativamente, o filme começa de forma abrupta: já vemos os Orcs caminhando para um Dark Portal praticamente pronto. Poderia haver uma introdução para situar os acontecimentos e não deixar as pessoas tão perdidas logo de cara. Como dito, isso é explicado de forma eficiente depois, mas cinematograficamente falando não dá para deixar o público tão perdido assim em uma introdução. Uma animação de uns 5 minutos não influenciaria tanto na duração do longa (que teve um corte de 30 minutos) e ajudaria a quem não está habituado a se situar melhor na urgência da situação.

Esteticamente falando, as armaduras dos humanos são impressionantes, assim como todo o trabalho feito em cima da caracterização dos Orcs - imponentes, gigantes, selvagens e brutos. O mais legal: eles não são todos iguais, pois cada um possui características únicas marcantes e o público jamais ficará perdido em quem é quem naqueles personagens verdes. Isso é um ponto alto da produção. Já os atores que fazem os humanos não foram tão bem escolhidos, com a exceção de Lothar: meio genéricos, sem graça e parecem não combinar tão bem com aquele universo. Vamos ver se o casting capricha mais conforme a franquia for expandindo. Apesar da lore original não cobrir as demais raças, podemos ver High Elfs, anões, demônios, além de alguns personagens importantes apenas sendo mostrados rapidamente, deixando claro que aquele mundo é muito maior do que vemos agora.

Ainda pode melhorar? Claro, e muito. A introdução foi feita, agora é esperar como as pessoas não habituadas ao jogo irão reagir à série e torcer para que ela ganhe força para seguir em frente. Ainda há muito para ver em Warcraft, desde a explicação da corrupção dos Orcs, o passado de Medivh, a fuga de Thrall, a criação de Orgrimmar, as alianças das duas facções com outras raças, o surgimento e o declínio de Arthas, toda a história dos elfos e de Illidan, Deathwing e por aí vai.

Como um fã, fiquei absolutamente maluco assistindo ao filme e a todas as suas referências. Gostei bastante.

Como cinéfilo, vi um bom filme de aventura, com efeitos excepcionais, mas que ainda precisa amadurecer muito na ação e aprofundar nesse universo amplo e curioso.

- Dedico esse texto ao amigo Thiago Melo, que ajudou na pesquisa, e a todos os amigos da guilda KM, que fez parte da minha história no jogo e agora na vida real.

Postado por Rodrigo Cunha no site Cineplayers, em 05/06/2016

Critica Jogos Mortais

Um novo terror com um excelente início e final, mas não é melhor por causa do miúdo do enredo.
Jogos Mortais é um daqueles filmes que, de tempos em tempos, aparece para dar um novo gás à um já cansado gênero. Ele não traz absolutamente nada de novo e aproveita tudo o que já fora utilizado antes em outros suspenses, mas é tão completo que, mesmo com suas falhas, serve como um ótimo entretenimento em meio à toda essa escassez de bons títulos da espécie. É mais um filme com serial killerse personagens tentando sobreviver, mas ao invés de seguir uma linha teen, com jovens bonitões sendo mortos seqüencialmente por algum perseguidor secreto, aqui o suspense fica não em quem será o próximo, mas em como o assassino articula as suas mortes.
Saindo da linha mais tradicional desse tipo de história, Jigsaw é um assassino em série que, teoricamente, não mata as suas vítimas. Ele as coloca em uma situação tão extrema, de vida ou morte, que a única saída para a sobrevivência é derramar ainda mais sangue de uma outra pessoa, causando um trauma eterno no sobrevivente. Seu argumento para o que faz é que as pessoas não dão valor à vida e, como qualquer louco nesse sentido, se acha Deus para julgar quem vive certo ou errado, a ponto de expô-los a tais horríveis situações quando ele acha que alguém está prejudicando sua própria vida. Ele age como um 'salvador', mais ou menos como o atirador de Por um Fio agia no filme, mas aqui de forma mais bruta e chocante.
Dessa forma, conhecemos as duas bolas da vez: Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes) e Adam (Leigh Wahnnell). São dois caras que não se conhecem, mas são obrigados a trabalhar em conjunto quando entram na mira do assassino para saírem vivos dessa situação. Eles acordam em um estranho banheiro velho e mal cuidado, cada um em uma extremidade diferente, com grossas correntes nos pés que os prendem a longos canos nas paredes, limitando bem o seu espaço de ação no local. No centro dos dois, há um homem banhado no próprio sangue, após estourar sua cabeça com uma Magnum .44, e com um gravador em sua outra mão. Quando cada um dos dois descobre uma fita em seus bolsos com a descrição 'Play Me', o jogo começa.
O roteiro utiliza de constantes flashbacks para explicar tudo no filme, desde o porquê os dois estarem ali até como o bandido age contra vítimas passadas. Através desses flashbacks, conhecemos o detetive David Tapp (Danny Glover), que caça obsessivamente Jigsaw, após este ter matado o seu parceiro e amigo quando ambos estavam prestes a prendê-lo. Além de muitas vezes longos e quebrarem o bom ritmo que há no banheiro, a participação de Danny Glover se dá mais como um coadjuvante de luxo para que tudo aconteça do que um personagem realmente útil à trama. Mesmo assim, o ator está bem e convence como o policial que, aos poucos, vai enlouquecendo também atrás de seu procurado.
O que faz os flashbacks funcionarem, apesar de seus defeitos, é o fato de todos eles estarem bem dirigidos e, com isso, prenderem nossa atenção. São nesses momentos que acontecem algumas das cenas mais chocantes do filme, pois mostram como o serial killer agiu com vítimas anteriores com seus joguinhos de vida ou morte. A criatividade e como tudo é colocado na tela nos fazem suar frio, seja de tensão, angústia ou medo. Aliás, este é um dos filmes mais angustiantes que surgiram no cinema nos últimos tempos, junto com Mar Aberto. Isso é resultado de uma perfeita adaptação do espectador ao que está acontecendo na tela, pois o medo que nos é transmitido de estar na mesma situação que a pessoa da tela é totalmente controlado pelo diretor, que demonstra um bom timming ao construir as cenas.
Se você não for tão distraído a ponto de esquecer o banheiro enquanto os flashbacks acontecem, eles irão adicionar bastante. É necessário, sempre, uma total assimilação do que está sendo mostrado; que se prenda ao porquê daquilo estar ali na tela. Não é um filme gratuito ou sem propósito, o que é outro mérito de sua história (escrita pelo próprio diretor estreante James Wan, junto com Leigh Whannel, o Adam do filme, responsável também por adaptar a história ao roteiro). O bom é que tudo o que é previsível na história está nas mãos do diretor. A gente sabe o que ele quer que saibamos, mesmo que uma pessoa ou outra se ache malandra por estar descobrindo o que está por trás daquilo tudo antecipadamente.
É nesse momento que o final vem de forma avassaladora. Se você é um daqueles que curtem finais do tipoO Sexto Sentido ou Os Suspeitos, em Jogos Mortais você encontrará um prato cheio. É exatamente o tipo de filme que parece ter sido escrito à partir de uma idéia final, de trás para a frente, de modo que deixe a todo momento pistas espalhadas secretamente pelo filme que, ao seu final, nos gritam por uma revisão urgente. Você terá vontade de rever Jogos Mortais assim que ele terminar, o que é uma grande qualidade do filme, principalmente porque um milhão de perguntas vem à cabeça assim que os créditos começam a surgir na tela. Mas, se pensadas com cuidado, perceberá também que todas as respostas estão lá, nas duas horas anteriores.
A primeira vista, essa reviravolta final vai parecer um tanto quanto forçada. Fica a torcida para que, quem quer que pense dessa maneira, não se detenha a pensar um pouco mais e descobrir o porquê do diretor ter feito o final dessa maneira, ao invés de sair profanando um 'não gostei' a todos com quem falar sobre o filme. Agora uma coisa eu tenho certeza: para aqueles que gostam de se assustar durante quase todo o filme e, ao final, ainda quebrarem a cabeça com um bom enigma, Jogos Mortais é a pedida certa. Os detalhes estão lá, para serem revisados e, alguns, são até geniais (como o caso do tambor da arma - após a análise eu explico).
Contando com uma trilha sonora pesada que não necessariamente pretende assustar, Jogos Mortais não apela para sustos fáceis e nem para belos atores para ser bom. Com um clima absurdamente perturbador ao nos deixar sempre conscientes do que pode acontecer aos personagens, o promissor diretor James Wan cria uma obra que, de tão boa, deixou de ser lançada diretamente em vídeo para invadir os cinemas de todo o mundo. Filmado em apenas dezoito dias e com um orçamento bem limitado, ele prova também que não é necessário rios de dinheiro para se fazer um bom filme. Muitas vezes, acreditem, a falta dele ajuda um trabalho a sair melhor e mais criativo, bem como o caso em questão.
Agora se você tem algum problema de coração ou medo excessivo de morrer, fique em casa. Este filme pode mexer até demais com seus nervos.
Texto a ser lido apenas por quem já assistiu ao filme
Bom, o filme termina com um final absurdamente inesperado, o que, naturalmente, gera uma série de dúvidas sobre seu conteúdo. Meu primeiro questionamento fica quanto à personalidade de Zep. A todo momento em que aparece ou fala, parece ser uma pessoa muito fria e calculista, quando na verdade ele era tão vítima quanto Adam, o Doutor e sua família. Em certos momentos, chega a ter prazer no que faz, como quando ele liga para o Doutor e coloca sua mulher na linha. Parece que está fazendo aquilo por tesão, quando, na verdade, ele deveria estar desesperado, devido a sua situação. Obviamente esse erro provém da necessidade de que Zep pareça o vilão na história, desviando a atenção do 'morto' no chão.
Outra coisa que não consegui achar uma explicação plausível é o fato do assassino ficar lá deitado, naquela mesma posição, com uma arma numa mão e o gravador na outra. Como ele conseguia, então, dar o choque em suas presas quando queria? Não era Zep que o fazia, pois quando o assassino dá um choque em Adam, quando este tenta atirar nele, Zep já estava morto no chão, com um pedaço de privada na cabeça. O único momento em que o assassino poderia ter pego o controlador, é na hora em que o Doutor utiliza o apagão. Só que isso não fica claro, sendo mais um detalhe estranhamente escondido na trama.
O sangue no chão me incomodou ainda mais, pois há uma incoerência no modo em que ele é utilizado. Se ele era tão venenoso a ponto de matar Adam com um pequeno banho no cigarro, por que o assassino estava deitado em cima dele? A incoerência fica por conta de que, se o assassino queria que o Doutor realmente matasse Adam com o cigarro, o sangue estava envenenado de verdade. Logo, ele não poderia estar deitado em cima dele. Lógico que, se o sangue não fosse envenenado, calculista como era, o assassino não guiaria o Doutor e Adam por esses caminhos, e sim por outros, desviando sua atenção do sangue.
Mas ao mesmo tempo em que Jogos Mortais apresenta alguns defeitos, como os três exemplos acima, ele também acerta em pequenos detalhes que enriquecem a trama. O exemplo que citei no texto acima é o do tambor da Magnum. Genial, por sinal. Como o cara do chão poderia estar morto se o tambor estava vazio, quando o Doutor abre o tambor da arma para colocar a cápsula antes de atirar em Adam? A Magnum não cospe a cápsula após o tiro, então era para ela estar lá. Quando sabemos que o cadáver não era um cadáver, e sim, o próprio assassino, na mesma hora assemelha-se o fato de não ter uma cápsula no revólver.
São detalhes como esses que deixam Jogos Mortais infinitamente a frente de obras ridículas que tem saído por aí do gênero. É para se ver várias vezes com gosto de descobrir uma coisa nova a cada vez que é assistido, principalmente por ele conseguir nos manter presos, atentos e muito, muito tensos durante toda sua duração.

 Postado por Rodrigo Cunha no site Cineplayers , em 05/03/2005